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Quo vadis philosophia?

Cancelado o ensino da filosofia colonial cujo objectivo era (com o estudo da história e da literatura ) “formar bons portugueses” ( Inocêncio Galvão Teles, ministro da educação), e depois de um interlúdio do que Kierkegaard chamaria migalhas do marxismo (sem o idealismo alemão, a economia política inglesa ou o socialismo utópico francês) em 1997, e, concomitantemente com a mudança do regime político do país, se impôs à política a necessidade de re-introduzir a/uma filosofia. A questão que se punha à filosofia era, in primis, a identificação das questões, teóricas e práticas que ela (sem renunciar à sua vocação de busca universal da verdade e haurindo fundamentos na sua historia de continuidades e rupturas) poderia participar a dar respostas. Com essa démarche fazia-se jus à filosofia como apreensão do próprio tempo através de conceitos (Hegel). Mas o que é ser amigo do próprio tempo (histórico)?

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Bibliotecas em conflito

Não é em referência às guerras barrocas e metafísicas nos mosteiros medievais do Nome da Rosa (Umberto Eco); também não se trata de um conflito entre a galáxia Gutemberg e a oralidade (Amadou Hampate Ba) nem entre as bibliotecas virtuais – sempre em ascendência – e as bibliotecas tradicionais ou do paradigmático choque e perplexidade de Marsílio Ficino quando, intimado por Cosimo a abandonar as traduções de Platão a favor de Hermes Transmegisto, que o dignitário florentino considerava muito mais importante; de facto não se trata de nenhum conflito hermenêutico ou filológico de interpretações (Paul Ricouer), mas de uma batalha existencial, multissecular, de sangue, que se desenrola em África e via corpos dos africanos.

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MESSIANISMO (ANTI-)DEMOCRÁTICO

Apenas saídos do congresso e a dois anos das presidenciais, revivemos já a angustiante questão rebeliana ( de Rebelo e rebelde) de “quem vai ser o timoneiro?”; quem nos vai acorrentar, quem será o excelso Moisés capaz de aglutinar as tribos dispersas e fazer delas um povo, dar-lhes uma lei, impor-lhes leviatanamente uma moral? Sentimo-nos oprimidos (no político, no económico e até mesmo no militar) por Nabucodonosores, mas a nossa estranha concepção de liberdade e de democracia impele-nos a buscar a (o) Correia que nos vai acorrentar, o celsius que fará pacto com o diabo (mascarado de deus), que abrirá magicamente o mar vermelho, transformará tribos em povos e finalmente, nos guiará à terra de leite (petróleo) e mel (fel).

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MoçAtlântida

Nos seus diálogos tardios, Timeu e Crítias, Platão (428-347 a.) faz referência à destruição de uma brilhante civilização chamada Atlântida (filha de Atlas) – algures entre o mediterrâneo e o Atlântico – que teria sido, juntamente com os seus habitantes, engolida pelo oceano. Atlântida é apresentada pelo fundador da academus (academia) como a réplica perfeita do paradisíaco jardim do Éden (habitado por um povo – os atlantes – com uma moral elevada e regido por leis justas) mas, como no vétero testamentário bíblico, também na narrativa de Crítias, retomada por Platão, a mesma adâmica ganância degenerativa que levou Yavé a expulsar Adão e Eva, também forçou Zeus a ordenar a destruição da Atlântida por um tsunami.

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - A TORRE DE BABEL

A história da Torre de Babel interpelou todas as religiões monoteístas, originou obras literárias, pictóricas, cinematográficas, suscitou interesse e curiosidade de teólogos, exegetas, arqueólogos, historiadores, e a sua real (ou suposta) arquitetura babilónica, figura entre as sete maravilhas da humanidade. Porém, não é essa dimensão luminosa da torre que se transfere para a Matola mas a sua parte sombria, a pretensão estratosférica do homem e  o consequente mito fundador  da desordem da multiplicidade de línguas (e linguagens e a dispersão desigual da humanidade pela terra/País), que escolheu morada (oxalá só provisória) entre nós.

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - Que peut la philosophie?

O oximoro ou a aporia desta pergunta/afirmação de Paulin Hountondji (um dos mais ilustres filósofos africanos contemporâneos); é o reconhecimento (desesperado) da impotência da filosofia (africana) em escancarar as portas, hermeticamente fechadas, para uma política democrática,  uma economia equitával, uma sociedade justa em África. A filosofia esbarra com as portas de resistência das tradições, das etnicidades, das crenças, das religiões, das raças, do dinheiro, dos poderes, dos interesses internacionais.

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FILOSO (MOÇA)FEMAS -Navegadores – Precisam-se

Dionísio I de Siracusa (Sicília) não era o Rei-Filósofo nem o Filósofo-Rei que Platão procurava. Confrontado com o fausto e a corrupção do reino o monarca não suportou a ousadia e confrontação do filósofo e vendeu-o como escravo.

Em 2004 a BBC convidou os seus auditores a designar o maior filósofo de todos os tempos. Por uma intuição quase divina, os membros da International Plato Society, sentindo o vento do Olimpo a mudar de direcção, convidaram todos os seus seguidores a votarem: era necessário que Platão continuasse a reinar  sobre o mundo das ideias.  Escândalo!

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - A Luta Continua...

No princípio era o verbo – moçambicanas, moçambicanos (...) em vosso nome a Frelimo proclama a independência total e completa de Moçambique. Porém, desde que, com o verbo (criador) Deus criou o mundo ideal (em que Moçambique proclamou a independência), com o seu Fiat, o xiconhoca do Satanás desafiou-o (sabotagens, terrorismos) adulterando a sua criação e fazendo o mundo (e Moçambique) como o conhecemos; cheio de poderes de negação, depois de contradição (guerras, guebuzismos). Do anjo decaído veio a realidade transfigurada; a rebeldia foi o seu instrumento: Satanás ganhou discípulos, em número impressionante, impelidos mais pelo espírito diabólico de fazer contra (contradição) do que pela libertação e arbítrio (que nunca souberam assumir responsavelmente).

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - We Shall Overcome

Quando nos aproximamos da música lírica, sobretudo da ópera, como Stela Mendonça e Sónia Mocumbi nos têm estado pedagógicamente a conduzir, para além dos motivos religiosos, clássicos e românticos que inspiram os principais temas musicais, por vezes, de repente, deparamo- nos com um motivo insólito, surpreendentemente político e actual, que nos leva «toute proportion gardée» ao trágico continuum da nossa história: o Nabuco de Verdi, e o seu conhecido ‘coro dos escravos’.

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - (O) Crystal Palace

Numa espécie de rêverie rousseauniana de 150 páginas, Driss Chraïb pinta um quadro literário de uma transmutação improvável da tradição versus a modernidade. La Civilization, ma Mère (1972) é a história de uma senhora modesta que se transfigura, do ser ao ter; encarnada por uma mãe órfã, transformada em doméstica e casada muito cedo com um homem muito mais velho. Esta mãe simples, guardiã das tradições do Marrocos dos anos coloniais, sofre uma importante metamorfose graças aos seus filhos que a iniciam na civilização através dos seus aspectos e tentações (luminares) – viagens, literacia, emancipação, gosto pela  liberdade – que vão fazer dela uma activista a favor da modernidade. Perante a fulgurante transfiguração da esposa, o velho marido, que até então era o arauto da modernidade familiar, vê-se regredido ao estatuto de tradicionalista.

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - A História tende sempre a recomeçar...

Apesar das escatologias da Basiléia platónica, de A Cidade de Deus de Agostinho, da Cidade do Sol de Campanela, da Utopia de T. Moro, do melhor mundo possível de Leibniz, de O Capital de Marx a história de facto continuou impregnada de uma dialética hegeliana de luta de contrários (teses e antíteses) até que, com a da caída do muro de Berlim, Fukuyama pretendeu (ser?)o fim da história. Era um apocalipse (now) mais de Francis Ford Coppola que de João, o evangelista. O curto 11 de Setembro, feito da violência de kamikases, não propunha nenhuma antítese credível susceptível de pôr em causa a síntese final, como uma aparusia consumada. Hoje a questão é, a Rússia de Putin é uma tardia antítese histórica contra a tese liberal que, como fénix, faz renascer o espectro de Marx (Jacques Derrida) das cinzas da URSS do “eunuco” Gorbashov ou é uma paranóica distopia anacrónica e retrógrada?

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FILOSO (MOÇA)FEMAS - Os Contra heróis de Fevereiro

Os países, todos, à parte o Canadá (onde para se viver nas suas temperaturas glaciais é necessário ser herói) têm uma praça de heróis, do soldado desconhecido, um panteão para deuses – conhecidos e desconhecidos – (gregos e romanos), ou para os grandes homens (França), dos quais, muitas vezes ninguém se recorda os nomes e ainda menos os seus feitos.

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Desmond Tutu, o cruzado pela liberdade, justiça e paz

O também covídico 2022 (tris repetita) iniciou com celebrações canónicas da figura iconoclasta de Desmond Tutu. Até aqueles que do Apartheid só detestavam o nome e nunca hesitaram em apoiar as suas práticas, por oportunismo do politicamente correcto, juntaram-se aos hosanas que, do Soweto e dos Sowetos do mundo se ergueram, em uníssono, para celebrar um dos seus mais dignos líderes e profetas, em oposição e contraste com os clones que na África de hoje tronam, apócrifos e heréticos, por não ousarem nem a missão profética (de Jerusalém), nem o ideal político (de Atenas) e de justiça (de Roma) de que são investidos. O bispo de Cantuária, Justin Welby, que oficiou o requiem de Tutu na catedral do povo (é assim que é conhecida a catedral de São Jorge na Cidade do Cabo) como quer a tradição eclesiástica, disse dele He fought the good fight.

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Do Annus Horribilis (2021) ao Annus Mirabilis (2022)?

O sábio soviético Vladimir Vernadsky – que cunhou o termo biosfera – profetizou, em 1920, que a humanidade estava a entrar numa nova era geológica. Em 2000, o prémio Nobel da Química (1995) Paul J.Crutzen, popularizou o termo antropoceno, para designar uma nova era geológica caracterizada pela influência sempre maior do homem sobre o ambiente terrestre. Pela primeira vez as sociedades eram capazes de alterar, de maneira decisiva, o ambiente a nível mundial: a humanidade passava então ser a maior força geológica activa na natureza e o homem atingiu o nível de principal agente geológico.

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É NATAL/FESTA DE FAMÍLIA: BHELA KU NYUMBANI

Joséphine Baker, a chamada Vénus Negra, a primeira grande estrela afro das artes cénicas, acaba de entrar no Panteão (do grego pántheion, de todos os deuses) de Paris, dedicado aos maiores nomes da cultura francesa ("Aux grands hommes, la patrie reconnaissante "). O motivo musical mais célebre da artista é a canção, J'ai Deux Amours, Mon Pays et Paris.

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Atravessar o mar alto

Vivemos Tempos Difíceis. Só o título é emprestado ao escritor Charles Dickens (1854), porque as dificuldades do tempo que vivemos, não têm a ver com a situação social do proletariado inglês de então, mas com o mar – sempre mais alto – em que Moçambique se está a afogar, obra combinada (consequente) da destabilização deliberadamente programada por "...aqueles que não querem que a África se desenvolva em liberdade" (Nyerere) e da falta da auto vigilância crítica da Frelimo e alguns ex-camaradas, xiconhocas, que se deixaram capturar pela pecúniocracia.

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O imperativo da desmosacanização

Em pleno desvelamento macabro da diabolicidade humana do processo sul africano, Desmond Tutu aconselhou ao jornalista e filósofo guineense Filomeno Lopes, a não perder tempo a ouvir todo o decálogo das perversidades humanas, mas a ocupar-se na busca de soluções, o que se traduz – hermeneuticamente – no dístico que ornamentava a casa do prelado em Cape Town: How to turn human wrongs into human rights?

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Justiça Ujaama como estética da existência

Na sua primeira aparição pública depois do início do julgamento das dívidas (não mais) ocultas, o juiz Efigênio Baptista foi hosanado messiânicamente, no sentido soteriológico do termo, como um pop star. A sua exaltação pelo nosso passivo (e não pacífico) povo não se devia à sua beleza, juventude ou corte de cabelo – apesar de ter-se tornado, à maneira de Andy Warhol, num ícone da pop art, em certos salões e/ou representações teatrais – mas à identificação popular do acto de julgar de que ele estava investido, com a reposição da justiça. Volvidas algumas semanas, o mesmo juiz voltou a público mas desta vez os ramos de oliveira não se ergueram, nem se ouviram os aves dos morituri a saudar o ex-novo César. Não é uma coincidência que este início de refracção ou pelo menos suspeita de alinhamento do juiz com uma nomenclatura não juridiciável, apareça imediatamente depois de ele ter sentenciado, apodíticamente, que Nyusi, Guebuza e Mondlane não fariam parte do processo, porque o rastreio das suas contas não tinha evidenciado nenhum traço do dinheiro das dívidas ocultas.

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PARESIA POLÍTICA COMO ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA

Filósofa, H. Arendt – no tribunal de Jerusalém onde era corresponde de New Yorker – foi tentada a perguntar, cadê da tua consciência? mas, bruscamente, caiu em si e, com horror, compreendeu o inefável: Eichmann era mais um clown do que monstro; o organizador da solução final era um homem qualquer, tão vulgar que era desprovido de toda e qualquer consciência. Do mesmo modo, apesar dos actos em julgamento na BO serem aniquilantes, os seus autores – Nhangumele, Ndambi, Mutota, Leão, Ângela, Rosário- são quaisqueristas; sem nada de brilhante, de impressionante mas, paradoxalmente, também não são pessoas pérfidas, sádicas. Rosário aparenta ser uma pessoa normal e até medíocre.

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