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Houve acordo ou não houve acordo? Por que falo agora
O relato honesto de um professor que preferiu unir do que incendiar, que recusou a lógica do “tudo ou nada” e que acredita que o nosso maior triunfo será salvar vidas e reformar o Estado para servir melhor cada moçambicano.
Nos meses em que o país ardeu, eu estava doente, fora de Moçambique, a acompanhar no telefone as mortes, os bloqueios e o medo a crescer. Podia ter ficado calado. Preferi assumir a responsabilidade que a condição de professor me impõe: tentar aproximar pessoas que não se falavam.
Foi assim que, com outros académicos, líderes cívicos e religiosos, começámos a bater portas para abrir um caminho de palavra. Conversei diariamente com o Venâncio Mondlane e também com o então Presidente Filipe Nyusi. O Venâncio enviou 21 pontos que ajudei a integrar no documento base. Desde o primeiro dia defendi que o processo pertence aos partidos, entre iguais, e não a uma tutela presidencial. À medida que o tema entrou nas estruturas, o espírito inicial foi-se diluindo — é o destino de muitos processos políticos — e eu mantive a mesma insistência: um diálogo sério precisa de todos os protagonistas à mesa, sobretudo daqueles que estiveram na linha da frente do descontentamento.
Houve um momento decisivo. Quando se concretizou o encontro de 23 de Março, o número diário de mortes caiu. Não pretendo créditos; limito-me a reconhecer um facto: se a intervenção de professores também serve para salvar uma vida, já valeu a pena. Salvámos mais do que uma. Disso não me envergonho; disso me orgulho.
Muito se discute se “houve” ou “não houve” acordo. O que houve certamente foram entendimentos suficientes para desanuviar o ambiente e permitir que o país respirasse enquanto se discutiam reformas. As etiquetas jurídicas e os carimbos formais pertencem ao Parlamento e aos próprios actores políticos. Eu não chamarei mentiroso a ninguém. Se o meu papel é útil, é porque preserva pontes para que a próxima conversa seja possível.
Peço três coisas a todos:
Serenidade na linguagem. Política não é inimizade; é disputa de ideias a favor de um bem comum.
Inclusão verdadeira. Um diálogo que não escuta quem mobilizou as ruas nasce frágil.
Resultados para a vida das pessoas. Reformas que reduzam a desigualdade, que deem segurança e que ponham pão na mesa valem mais do que manchetes.
Continuarei a defender que as reformas precedam a próxima etapa eleitoral, para que o jogo seja claro, justo e aceite por todos. O caminho que temos hoje não é o ideal, mas abre possibilidades. Com pressão cívica, respeito mútuo e coragem política, podemos transformá-las em melhor convivência e distribuição mais justa.
Se algum erro cometi, assumo. O que fiz, fiz de consciência limpa: não para favorecer pessoas ou partidos, mas para diminuir o número de funerais e para empurrar Moçambique de volta à mesa onde as diferenças se resolvem sem pedras e sem tiros.
É isto que verão neste vídeo: o relato honesto de um professor que preferiu unir do que incendiar, que recusou a lógica do “tudo ou nada” e que acredita que o nosso maior triunfo será salvar vidas e reformar o Estado para servir melhor cada moçambicano.
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